
Nos últimos anos temos vindo a assistir em Portugal, felizmente, a um crescimento da publicação de contos. A romancista de "Guarda-Chuvas Cintilantes" é uma das mais brilhantes no género, e surge agora com um livro de 14 contos, quase todos eles contados na primeira pessoa, que são uma verdadeira pérola. Estas 14 histórias de ver e andar (era assim que os árabes chamavam às narrativas de viagem) surpreendem-nos e deixam-nos levar por mundos e lugares que reconhecemos (ou não), por sentimentos, pelas palavras, e seduzem-nos. "Teolinda Gersão, sem deixar de cultivar com mestria o romance, é uma grande autora de contos e o seu último livro, 'Histórias de Ver e Andar', é uma bela ilustração dessa arte, breve e condensada (...) Torna-se difícil destacar um conto deste conjunto, mas há um - 'Big Brother Isn't Watching You' - que se torna inesquecível (atrevo-me a sugerir que deveria ser de leitura obrigatória nas escolas) por levar às últimas consequências o absurdo que preside ao mundo mediático, criando uma situação onde se surpreendem ecos do filme de Hitchcock - 'A Corda' -, com uma dimensão patética que o filme desconhece e se abre à compreensão do que Hannah Arendt definiu como 'banalidade do mal'." Linda Santos Costa, Público, Mil Folhas, 1/2/03
Author

TEOLINDA GERSÃO nasceu em 1940, em Coimbra. Licenciada em Filologia Germânica e Doutorada em Literatura Alemã, com a tese Alfred Döblin: indíviduo e natureza (1976), pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi Assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Professora Catedrática da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa e Leitora de Português na Universidade de Berlim. Autora de vários trabalhos de crítica literária, recebeu duas vezes o prémio de ficção PEN Clube, atribuído ao seu livro de estreia, O Silêncio, em 1981, e ao romance O Cavalo de Sol, em 1989. Foi também galardoada com o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores em 1995 e, na Roménia, com o Prémio de Teatro Marele do Festival de Bucareste (adaptação da obra ao teatro) com o romance A Casa da Cabeça de Cavalo. Em maio de 2003, o seu livro Histórias de Ver e Andar foi galardoado com o Grande Prémio do Conto 2002 Camilo Castelo Branco, da Associação Portuguesa de Escritores. À edição inglesa de A árvore das palavras (The Word Tree, Dedalus, 2010) foi atribuído o Prémio de Tradução 2012. A ficção de Teolinda Gersão desenvolve, na escrita contemporânea, uma poética romanesca original, abrindo a narração, a que o respeito pelas categorias de espaço, tempo, personagens, intriga confere certa verosimilhança, a uma irradiação de sentidos que decorre de um metaforismo assumido de forma estrutural pela narrativa. Não que as personagens e as suas relações, os temas ou os seres se reduzam a um carácter alegórico: o que ressalta é que por detrás da "história" estão em conflito pulsões humanas universais, frequentemente centradas sobre a dinâmica dos opostos (homem/mulher, caos/cosmos, racionalidade/loucura, entre outros). A ilusão da transparência, obtida por uma ordem sintagmática nítida, pela simplicidade da frase, despojada de tudo o que é acessório, pela redução do número de personagens, pela simplificação da ação, confere, então, às suas narrativas o estatuto de uma escrita mítica, cujo objetivo não é a representação, mas o conhecimento. Ao mesmo tempo, cada uma das suas narrativas, desenvolvendo até à exaustão algumas metáforas centrais (o cavalo, o teclado, etc.), desfibra todo o tipo de alienação social e mental subjacente à rutura dos princípios de harmonia invisível e de unidade íntima do homem com o universo. Como a pianista (e a romancista) de Os Teclados, Teolinda Gersão, diante de um "mundo fragmentário" e "indiferente", onde "as pessoas não formavam comunidades e só havia valores de troca", um "mundo vazio", persiste em tentar desvendar enigmas, como se a escrita e a exigência de rigor fossem "a transcendência que restava": "Aceitar o nada, o mundo vazio. E apesar disso, pensou levantando-se e sentando-se no banco - apesar disso sentar-se e tocar."